Thiago Fernandes Moraes, 24 anos, e Dayane da Rosa, 18, vivem a rotina
de muitos casais. Vão ao cinema, namoram em casa, trocam beijos e, aos
poucos, descobrem a sexualidade. Para eles, a deficiência intelectual
que ambos apresentam não é barreira para o amor.
Embora encarada com naturalidade pela dupla, a sexualidade muitas vezes é
vista como um problema pelas pessoas com diversidade funcional (nome
que os estudiosos adotam para aqueles que apresentam algum tipo de
deficiência), já que enfrentam barreiras impostas pela sociedade, pela
família e até por elas próprias. O tema será discutido em curso do 1º
Ciclo Internacional de Direitos Sexuais e Saúde Sexual, evento promovido
pelo Centro de Estudos e Capacitação em Sexualidade (Cecapas) de hoje
até quinta-feira, no Hotel Plaza São Rafael, em Porto Alegre.
Conforme a coordenadora do evento, assistente social e orientadora
sexual para pessoas com deficiência Maria Aparecida Vieira Souto, há
muito preconceito:
— As pessoas com deficiência são tratadas como
uma população invisível, de segunda categoria, para quem a gente nega o
direito de ter desejo sexual. Quem dirá ter atividade sexual — explica.
Há
35 anos na área da sexualidade, a especialista começou o trabalho com a
diversidade funcional no início do ano e se surpreendeu com a falta de
informação. Ela relatou ter ouvido frases como "é claro que eles não têm
desejo" ou "por que tu achas que alguém vai se interessar por uma
pessoa com deficiência?".
— Há pessoas que se interessam
exatamente por características diferentes. A melhor coisa que podemos
fazer é nos informar — afirma.
O problema, conforme a psicóloga e
professora da Universidade Estadual de Maringá (UEM) Eliane Rose Maio,
palestrante da atividade, é que as pessoas não enxergam as
potencialidades de quem tem deficiência, por isso não as exploram.
Membro do conselho da Cadeira de Saúde Sexual e Direitos Humanos da
Unesco, Antonio Carlos Gerbase também fala no evento e ressalta a
importância de se pensar em igualdade:
— Queremos que os direitos
humanos em relação à vida, à saúde e ao casamento se apliquem a todas as
pessoas, o que inclui aqueles com diversidade funcional.
Eles precisam gostar do corpo
Muitas
vezes, as próprias pessoas com deficiência se veem incapazes de amar.
Maria Aparecida costuma ouvir deles discursos como "isso eu não posso",
"não consigo me mexer direito" ou "não consigo dizer para a pessoa o que
eu estou querendo". Ela explica que as pessoas com diversidade
funcional precisam se conhecer, gostar do seu corpo e desenvolver suas
habilidades, entre elas a sexualidade.
Thiago
e Dayane são um bom exemplo. Eles se conheceram no intervalo da escola
onde estudam, admirados um pelo outro. Thiago tomou coragem para pedir o
telefone de Dayane, e começou uma série de ligações que dura até hoje.
Correspondido, o jovem visitou a família da amada para pedir autorização
ao namoro, que completará um ano em novembro. Sobre os planos do casal,
Dayane responde:
— Queremos ter uma vida juntos. Casar e, talvez, ter filhos.
— Sabemos que teremos de esperar, estudar mais, trabalhar, mas é isso que queremos — completa Thiago.
A tia de Dayane, Maria Lúcia Gomes da Silva, 54 anos, explica que a
família fala abertamente com a adolescente sobre o namoro e apoia seus
sonhos para o futuro:
— Ela pergunta para as minhas filhas como é
ter uma vida de casado, cuidar de um bebê. Sabe que tem uma diferença,
mas é muito esforçada — relata a auxiliar administrativa.
Sem diálogo, filhos se tornam mais vulneráveis
Essencial
no desenvolvimento da sexualidade das pessoas com deficiência, a
família também pode representar uma barreira. Eliane alerta para o
perigo da superproteção, muito comum aos pais das pessoas com
diversidade funcional. Com medo de que os filhos se magoem, algumas
famílias não permitem que eles falem ou se informem sobre sexualidade, o
que impede o desenvolvimento da autoproteção.
A família é a primeira educadora sexual. Precisa olhar no olho,
explicar a sexualidade com ajuda de materiais lúdicos – explica Eliane.
O cerceamento de informações desprotege as pessoas com deficiência, que ficam mais vulneráveis a abusos sexuais.
— O
abusador tem medo de criança bem educada sexualmente — afirma a
professora, autora do livro Violência Sexual contra Criança:
Contribuições para a Formação Docente, e outros dois sobre sexualidade.
Além da vulnerabilidade, a superproteção impede que os deficientes
desenvolvam o conceito de privacidade, conforme Maria Aparecida. Por
isso, segundo a orientadora, alguns deficientes realizam atos de prazer
publicamente.
— Precisamos dizer a eles que eles podem tocar no
corpo, que é gostoso, mas precisa ser no quarto, no banheiro ou na hora
do banho. Temos de lembrar isso sempre — informa.
A assistência
aos deficientes e suas famílias carece de profissinais que trabalham com
educação sexual no país, ainda raros, avalia Maria Aparecida. Por isso,
além de uma palestra sobre o tema, o evento da Cecapas terá um curso de
capacitação em sexualidade e diversidade funcional. A programação
completa e as informações sobre as inscrições podem ser obtidas no site do evento.
"O que importa é o carinho e a satisfação", diz cadeirante
A
história de amor do empresário Guacir Bueno, 59 anos, e da estudante de
Direito Simone Midon, 47, nasceu em uma quadra esportiva.
Tenente-coronel reformado da Brigada Militar, ele foi ao local para
assistir a uma partida de basquete sobre cadeira de rodas. Acabou se
surpreendendo com a beleza da organizadora do jogo, Simone, professora
de educação física à época.
Os dois trocaram contatos e Guacir
decidiu convidá-la para outro evento, em Santa Catarina. Foi após a
viagem que começaram a namorar. O relacionamento evoluiu para casamento,
que já dura 12 anos. Sobre a vida sexual, o empresário brinca.
— Ela
já me conheceu "estragado", não tem do que reclamar — disse aos risos,
referindo-se à cadeira de rodas sobre a qual passou a andar depois de
ser atingido por um tiro na coluna, durante um assalto em 1997.
Guacir e a mulher, Simone, na Casa de Cultura Mário Quintana
Foto: Carlos Macedo, Agência RBS
Guacir é bem-humorado e contagia pela autoestima, mas conta que muitas pessoas na mesma situação ficaram depressivas.
— Falo
da sexualidade, naturalmente, mas para muitas pessoas não é fácil. Isso
me preocupa, principalmente em relação aos jovens que ficaram com
problemas — relata.
Guacir é presidente da Associação de
Servidores da Área de Segurança Portadores de Deficiência (Asaspode),
fundada por ele em 2000. Hoje, a entidade reúne cerca de 70 associados
com deficiências, de diversas áreas.
Fonte
http://zh.clicrbs.com.br/rs/vida-e-estilo/noticia/2015/09/pessoas-com-deficiencia-vencem-preconceito-para-amar-4853430.html#
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